O espelho da nossa autoestima está rachado – e nós mesmos o quebramos ao tentar nos refletir em padrões impossíveis. Como terapeuta corporal há quinze anos, acompanhei a transformação radical de Laura, uma jovem que passou de uma obsessão por dietas restritivas para uma relação de respeito com seu corpo. Sua jornada não começou com mudanças físicas, mas sim com um simples questionamento: “Quem definiu que esse padrão é o correto?” Essa pergunta aparentemente simples abriu caminho para uma revolução pessoal que vai muito além da aceitação – trata-se de reconquistar a autoridade sobre nossa própria imagem.
Vivemos na era da comparação digital constante, onde nossos olhos se acostumaram a pular entre realidades editadas, filtros e ângulos cuidadosamente selecionados. Essa exposição diária a corpos “perfeitos” cria um fenômeno que os psicólogos chamam de “dissonância cognitiva visual” – nosso cérebro passa a esperar de nós mesmos um padrão que nem mesmo os modelos das fotos alcançam sem recursos digitais. O primeiro passo para romper esse ciclo é desenvolver o que chamo de “alfabetização visual crítica”, aprendendo a identificar manipulações de imagem comuns nas redes sociais.
A prática do autorretrato verbal é uma ferramenta poderosa que introduzo em meu consultório. Ao invés de começar o dia se olhando no espelho com um checklist de “defeitos”, proponho que meus pacientes fechem os olhos e descrevam seu corpo em voz alta, começando pelas sensações (“minhas pernas me sustentaram durante toda a caminhada de ontem”) em vez de aparência. Essa mudança de foco – da estética para a funcionalidade – reconstrói gradualmente a conexão mente-corpo que a cultura da dieta e dos padrões estéticos irreais nos fez perder.
Nossos corpos falam uma linguagem que vai muito além de medidas e números na balança. Quando começamos a ouvir os sinais de fome, saciedade, cansaço e prazer que nosso corpo emite, desenvolvemos um diálogo interno completamente diferente. A fome, por exemplo, deixa de ser um inimigo a ser controlado e passa a ser reconhecida como informação valiosa sobre nossas necessidades reais. Esse processo de ressignificação requer paciência – afinal, estamos desaprendendo anos, às vezes décadas, de condicionamento social.
A “dieta de imagens” que prescrevo aos meus pacientes é tão importante quanto qualquer orientação nutricional. Consiste em: 1) Limpar o feed de redes sociais de contas que despertam comparações dolorosas; 2) Seguir corpos diversos que representem pluralidade de formas e histórias; 3) Inundar seu ambiente visual com imagens que celebrem a funcionalidade humana em todas suas expressões. Essa reprogramação visual tem efeitos mensuráveis na autoimagem em apenas 30 dias.
O movimento consciente é outra ponte poderosa para a autoaceitação. Práticas como yoga, dança livre ou simples alongamentos feitos com atenção plena ensinam a valorizar o que seu corpo pode fazer, não apenas como ele aparece. Quando nos movemos por prazer e não por punição, nossa relação com a atividade física se transforma radicalmente. Muitos pacientes relatam que, ao pararem de se exercitar para “queimar calorias” e começarem a se mover por bem-estar, descobriram pela primeira vez o que significa habitar plenamente seu corpo.
A linguagem que usamos sobre nós mesmos constrói nossa realidade interna. Proponho um exercício simples: por uma semana, substitua qualquer pensamento ou fala que comece com “Eu odeio meu…” por “Eu agradeço ao meu…”. Essa mudança aparentemente pequena no vocabulário interno cria ondas de transformação na forma como nos relacionamos com nossa imagem. O corpo que você critica hoje carrega você através da vida, merece seu respeito, não seu desprezo.
A autoestima corporal saudável não significa necessariamente “amar” todas as partes do seu corpo o tempo todo – isso pode ser uma meta irreal para muitos. Trata-se, sim, de neutralidade e respeito. Você não precisa amar suas coxas, mas pode parar de odiá-las. Pode reconhecer que elas te levam onde você precisa ir, que são parte do pacote completo que é você. Esse terreno neutro é onde a cura verdadeira começa.
A prática da autocompaixão é o antídoto final para a comparação. Quando nos surpreendermos comparando nosso corpo com outro, podemos perguntar: “Eu falaria assim com alguém que amo?” Essa pausa reflexiva interrompe o ciclo automático de autocrítica. Aos poucos, vamos substituindo a voz interna cruel por uma voz que fala com a mesma gentileza que ofereceríamos a um amigo querido.